Há muito tempo a fonte geradora do vínculo parental deixou de ser meramente natural, isso é, o ato sexual, e passou a se basear na vontade e consenso, de maneira que o tema filiação passou por diversas mudanças nas últimas décadas.
Assim, surgiram as diversas técnicas de reprodução humana assistida, que de certo representam grande revolução na ordem natural dos acontecimentos, uma vez que pula algumas etapas, antes necessárias, para a fecundação e início do desenvolvimento de um ser humano, sendo possível fazê-lo até mesmo fora do corpo de uma mulher, em laboratório.
Importa dizer que, o desenvolvimento de tais técnicas em muito atingiu as diversas áreas do Direito, em especial o Direito de Família, quando falamos de Direito de Filiação. Assim, tais técnicas são até mesmo reconhecida hoje em dia pelo Código Civil Brasileiro, como uma das formas de concepção de filhos na constância do casamento, conforme artigo 1.597, III, IV e V.
Os métodos de reprodução assistida se caracterizam pelo conjunto de técnicas utilizadas por médicos especializados, visando fornecer o material e conhecimento técnico para auxiliar e estimular o processo de reprodução humana, de acordo com a técnica escolhida.
Passemos, então, a falar dos métodos de reprodução assistida que existem hoje em dia, dentre os quais destacam-se a inseminação artificial e a fertilização in vitro.
A inseminação artificial acontece quando o casal não pode procriar “por haver obstáculo à ascensão dos elementos fertilizantes pelo ato sexual, como esterilidade, deficiência na ejaculação, má-formação congênita, pseudo-hermafroditismo, escassez de espermatozoides, obstrução do colo uterino, doença hereditária etc.”, conforme Maria Helena Diniz (Direito Civil Brasileiro. 2001, p. 548).
Ela pode ser heteróloga ou homóloga. Será heteróloga quando ao menos um dos materiais genéticos utilizados no procedimento for de um terceiro; e homóloga, quando o material utilizado for do próprio casal.
Além da inseminação artificial, temos as chamas fertilizações in vitro. Nessa modalidade, a fecundação se dá fora do corpo da mãe, podendo acontecer de diversas maneiras. As mais conhecidas são:
- ICSI: técnica mais conhecida; consiste na inoculação de um espermatozoide no interior de um ovócito; então ocorre a transferência via vaginal do embrião (pré-embrião) formado;
- TV-TEST: técnica que transfere o embrião já formado, em estágio pré-nuclear, via vaginal, na altura das tubas uterinas; e
- GIFT: técnica que consiste na transferência do gameta masculino e feminino diretamente na tuba uterina da mulher – essa é a técnica que tem respaldo da Igreja Católica, contanto que os gametas utilizados sejam do próprio casal.
Sobre a temática, em 2015 surgiu a Resolução 2121, que rompeu com alguns requisitos trazidos pela Resolução anterior a respeito do assunto. Por exemplo, a Resolução 2121/15 não mais impõe limite de idade à mulher que busca realizar algum dos métodos de reprodução aqui citados – ao contrário da anterior, que impunha 50 anos como o limite para esses procedimentos.
De certo, romper com a imposição de limites etários configura grande avanço aos direitos das mulheres, tanto em relação às questões médicas, quanto às jurídicas. Contudo, não se pode olvidar que o procedimento de captação de gametas é de certa forma invasivo para as mulheres (ao contrário da captação do gameta masculino). Assim, pode-se dizer que a imposição de um limite representa, também, cautela do legislador, e não apenas medida abusiva ou restritiva de direitos. Entretanto, como se pôde ver, venceu a liberdade da mulher em dispor do seu próprio corpo da maneira que quiser.
Ademais, quando a mulher não pode carregar o embrião, isso, se encontra impossibilitada de ter uma gestação normal, existe a técnica da maternidade por substituição (também chamada de barriga de aluguel ou cessão de útero), que está prevista na Seção VII da Resolução 1358/92 – que determina que esse método seja utilizado apenas caso a doadora genética possua algum problema médico que impeça ou contraindique a gestação.
Ainda, alguns requisitos devem ser observados para que tal método seja utilizado, como: a doadora temporária do útero deve ser parente de até quarto grau da fornecedora genética, e a substituição não pode ter caráter lucrativo ou comercial.
O assunto gera polêmica no país, uma vez que além de o “aluguel do útero” não poder ter caráter comercial ou lucrativo, rejeita-se a ideia de contratação da mãe de substituição, uma vez que seres humanos não podem ser objetos de contrato. Assim, considerando que está em jogo o estado de filiação, a natureza do direito envolvido não admite qualquer negociação, sobretudo remunerada.
A filiação se define como a relação de parentesco estabelecida entre pais e filhos. A filiação materna é passível de provas diretas, uma vez que é evidenciada por fatores externos, como a gestação e o parto. Dessa forma, a maternidade é tida como completa e definitiva e não é nunca posta em dúvida (princípio mater sempre certa est).
Já a paternidade, por outro lado, é sempre incerta. Assim, o direito se vale de presunções de paternidade, de probabilidades ou verossimilhanças. Caso exista um casamento, a presunção é a de que o pai é o marido da mãe (pater is est quem justae nuptia demonstrat), conforme dever de coabitação e fidelidade, impostos pelo casamento.
Assim era visto o tema filiação até o surgimento das técnicas de reprodução assistida. Embora existam, em trâmite, alguns projetos de lei a fim de regulamentar essa realidade, a vida real não aguarda regulamentação. Então, surge a necessidade de se buscar soluções para os problemas sofridos pela filiação em razão dos avanços médicos.
Nesse sentido, numa inseminação heteróloga, em que um dos doadores não é o marido ou a esposa, a verdade biológica da criança não coincidirá com sua verdade jurídica, uma vez que o doador não será seu genitor, conforme artigo. 1.597, do Código Civil.
Assim, o juiz se torna uma figura central para analisar a validade da autorização concedida pelo cônjuge que não teve a participação biológica na geração da criança. O mínimo vício de consentimento sequer já compromete a paternidade.
Dessa forma, essencial a decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510, em que proferiu entendimento com força vinculativa adotando a teoria concepcionista, mas no seu viés da nidação. Isto é, acordou-se que a vida se inicia com a nidação, ou seja, com a implantação eficaz do zigoto no útero da mulher.
Como consequência desse entendimento, deixa-se de reconhecer qualquer direito ao embrião, inclusive à vida, uma vez que não é possível impor uma gestação compulsória de uma grande quantidade de filhos a uma mulher, vez que essa tem direito de dispor do próprio corpo, como também tem direito a uma vida digna os próprios filhos, que poderiam nascer em uma ambiente familiar que os rejeita ou então sem condições de lhes prover as necessidades básicas.
Ainda, com a decisão aqui citada, o embrião não adquire capacidade sucessória, eliminando assim possíveis conflitos nos casos em que acontece a fertilização in vitro post mortem.
Destarte, é certo dizer que, comparado à Medicina, o Direito caminha a lentos passos. Contudo, não se pode fechar os olhos aos conflitos já existentes. Dessa forma, de suma importância decisões como a ADIN 3.510, que trouxe soluções à questões polêmicas, mesmo sem uma legislação específica, mostrando que apenas a tutela jurisdicional é capaz de manter a paz social e a Justiça.