Pornografia de Vingança: o que é isso?

Camila Lavaqui

Com o início do século XXI, advieram também inúmeros avanços tecnológicos. Com eles, as relações interpessoais se expandiram, modificando o modo que as pessoas se conectam entre si. Da mesma maneira, surgiram novos tipos de condutas desviantes, fazendo com que surgisse a necessidade de um regulamento acerca dos crimes cometidos virtualmente.

Considerando que vivemos em uma sociedade patriarcal que está sempre mergulhada em um machismo descomedido, que sexualiza e oprime mulheres desde muito cedo, essa condição é reproduzida também no meio online. Assim, podemos observar diariamente o crescente número de vídeos e imagens de cunho sexual (cenas íntimas, nudez, relações sexuais de qualquer ordem etc.) que são divulgados na internet sem consentimento das mulheres que ali aparecem, normalmente por um ex-parceiro.

É o que chamamos de “pornografia de vingança” (termo traduzido do inglês “revenge porn”), que consiste na publicação virtual de conteúdos íntimos de cunho sexual (principalmente de mulheres), juntamente com informações (local de estudo ou trabalho, nome, cidade etc.), sem que haja consentimento das vítimas. Como ocorre, predominantemente, contra mulheres, alguns consideram o crime como uma modalidade de violência de gênero.

A pornografia de vingança pode se dar com a publicação do conteúdo em redes sociais (p.e. Instagram, Facebook, WhatsApp), como também em sites próprios de pornografia. Sem esquecer, ainda, da possibilidade de compartilhamento via e-mail, que normalmente vão acompanhados de mensagens ameaçadoras. Importa dizer que mesmo que a vítima tenha dado permissão para ser filmada ou fotografada, isso não quer dizer que haja consentimento para a publicação do conteúdo.

Na grande maioria das vezes, o objetivo do agressor é a vingança contra a vítima, seja por não concordar com o término do relacionamento, seja por alguma atitude que o desagradou em algum momento. O agressor busca, dessa forma, humilhar a vítima publicamente, expondo-a a um linchamento moral, em especial após o término do relacionamento.

Em sua grande maioria, os casos de pornografia de vingança acontecem quando existe violência doméstica e/ou um relacionamento abusivo. Dessa maneira, o agressor ameaça a vítima, munido do vídeo/imagem íntimo, para que não sejam abandonados ou que não sejam denunciados (a prática também é muito utilizada por estupradores, para desencorajar a denúncia).

Essa exposição não consensual traz inúmeras consequências para as vítimas, tais como perda de emprego (e dificuldade para conseguir um novo), distanciamento da família, dificuldades para se envolver amorosamente com uma outra pessoa, depressão, bullying, falta de confiança e quebra do vínculo social com pessoas próximas. Ainda, as consequências não são menos graves apenas pela violência se propagar em um espaço virtual. Na verdade, pela permanência e alcance da internet, são intensificados os traumas pela agressão sofrida.

Pela permanência do conteúdo no meio virtual, as vítimas têm de lidar com aquilo pelo resto da vida, uma vez que não há garantia de que todo o conteúdo foi de fato deletado e retirado de circulação. Essa condição pode, inclusive, levar as vítimas ao suicídio – em especial as mais jovens, com medo da reação dos pais, amigos e do julgamento social como um todo. Não há amparo social para as vítimas desse tipo de crime.

Com o conteúdo online, o resultado obtido por aqueles que consomem o conteúdo é exatamente o esperado pelo agressor: julgamento da vítima, culpar a mulher por ter produzido aquele tipo de vídeo/imagem (mesmo que tenha sido feito sem sua anuência – o simples fato de a mulher exercer sua sexualidade já é motivo para condená-la socialmente), ofensa, difamação, intimidação.

Em suma, ocorre o que chamamos de slut shaming, que é exatamente o que foi descrito acima: a difamação de mulheres por praticarem atividades sexuais. Não é aceito socialmente que a mulher tenha relações sexuais sem estar comprometida seriamente com seu parceiro, enquanto o desejo masculino não precisa estar minimamente atrelado ao envolvimento emocional. A sexualização do corpo feminino é inversamente proporcional à liberdade sexual das mulheres.

Alguns meios encontrados para diminuição da pornografia de vingança colocam em evidência a conscientização da população, com sites e campanhas em redes sociais, bem como ONGs com o mesmo objetivo. A conduta viola diversos direitos, principalmente o de intimidade e privacidade, trazidos no art. 5º, X, da Constituição Federal e que compõem a integridade moral do ser humano.

Seguindo os passos da Carta Magna, em 2012 foi publicada a Lei 12.737/2012, que acrescentou ao Código Penal os artigos 154-A e 154-B, que tornaram crime a invasão de aparelhos eletrônicos para obtenção de dados particulares.

Ademais, o crime também atinge diretamente os direitos da personalidade, isso é, aqueles que visam defender a liberdade, a vida, a integralidade, a sociabilidade, a honra, a autoria, a imagem etc. Assim, quando um direito da personalidade é desrespeitado, de maneira que um ato danoso é praticado em relação a vida de outra pessoa, gerando consequências à vítima, (como a pornografia de vingança), incidem danos morais (art. 12, do Código Civil).

A pornografia de vingança demorou para ser tipificada como crime no Brasil. Em 2013, tramitou pela Câmara e Senado o Projeto de Lei nº 5.555 (que ficou conhecido como Maria da Penha Virtual), proposto pelo Deputado João Arruda (PMDB/PR), que objetivava alterar a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), criando mecanismos de combate à condutas ofensivas contra mulheres no mundo digital. O que o PL não trazia, entretanto, era qualquer tipo de punição aos agressores, de maneira que o acréscimo de texto à Lei Maria da Penha não trazia mudanças efetivas para as vítimas.

Com a falta de legislação específica sobre o assunto, o que a jurisprudência fazia, então, era considerar que os casos se enquadravam como difamação e injúria.

Apenas em setembro de 2018 foi publicada a Lei nº 13.718/2018, aprovada pelo Ministro Dias Toffoli, que alterou o Código Penal, incluindo o artigo 218-C, que diz:

Art. 218-C. Oferecer, trocar disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia.

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.

§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantem ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.

Assim, a Lei 13.718/2018 possui grande importância, pois consolidou uma demanda social que apenas cresce nos últimos anos, criminalizando a conduta de exposição de conteúdos íntimos sem consentimento, fundamentando-se nos princípios da dignidade da pessoa humana, inviolabilidade da honra e direito à privacidade.

Observa-se que, por tratar-se de crime comum, o sujeito ativo (quem pratica) pode ser qualquer pessoa. Entretanto, o legislador escolher aumentar a pena caso o crime seja praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima.

Importante dizer, ainda, que o que mais choca a sociedade não é a vítima ter sido exposta, mas sim o fato de que as práticas sexuais ali mostradas seriam inadequadas para uma mulher, culpando a vítima e submetendo-a a comentários vexatórios, quando, na realidade, quem deveria ser repudiado é o agressor, isso é, aquele quem divulgou o conteúdo sem autorização.

É possível afirmar, por fim, que a pornografia de vingança é o resultado da soma de vários fatores sociais, tais como a cultura de sexualização das mulheres na internet, da sociedade patriarcal que vivemos, bem como do machismo enraizado na cultura e criação de todos os indivíduos. É, portanto, uma resultante história, que gera, atualmente, consequências severas para quem é vítima desse tipo de crime.

De certo, a tipificação do crime foi muito importante. A lei é, sim, uma das formas de reparar ou de buscar brecar o crime. Contudo, a pornografia de vingança não se resume apenas ao fato jurídico envolvido.

É necessária uma mudança de paradigmas, pois trata-se de uma questão social e história, que não terá fácil resolução, tampouco somente com uma lei. É importante uma reeducação da sociedade, de maneira que a formação social dos indivíduos seja modificada, para que, quem sabe, compreendam que tal atitude é inaceitável e provoca inúmeras consequências nas vidas das vítimas.

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