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Análise de caso: a herança de João Gilberto

Camila Lavaqui

 João Gilberto faleceu aos 88 anos, em 06 de julho de 2019, no Rio de Janeiro. Em 1956, o compôs “Bim bom”, música que deu início à “batida da bossa nova” e fez com que João conhecesse Tom Jobim, mudando toda a história da música brasileira.

 A briga familiar da família do pai da bossa nova começou muito antes de sua morte. Em dezembro de 2011, a turnê comemorativa de 80 anos de João Gilberto, a “80 anos – Uma Vida Bossa Nova”, organizada por Claudia Faissol, ex-esposa do cantor e mãe de sua filha caçula (Luisa Carolina), foi cancelada, pois João contraiu uma forte gripe. O que ninguém sabia é que nunca mais ele retornaria aos palcos.

 Em maio de 2013, o Theatro Municipal do Rio, juntamente com a casa de shows Via Funchal (do grupo om Brasil), ingressaram com ação judicial para que os valores adiantados da turnê cancelada em 2011 fossem reavidos.

 Pouco tempo depois, em julho do mesmo ano, João Gilberto passava por dificuldades financeiras, o que o levou a fechar um acordo de R$10 milhões, com o banqueiro Daniel Dantas, do Banco Opportunity. O acordo, mediado por Claudia Faissol, previa que Daniel teria direitos sobre quatro discos lançados pela EMI, na hipótese de João Gilberto ganhar a disputa judicial que travava com a gravadora, a respeito da propriedade dos álbuns.

 Em maio de 2017, Maurício Pessoa, produtor musical, foi condenado a devolver R$573 mil, pelo cancelamento do show no Theatro Municipal do Rio, em 2011. O produtor, por sua vez, processou João Gilberto, para que este devolvesse a quantia. Até hoje o caso não foi concluído.

 No mesmo mês, João Marcelo, filho mais velho do músico com Astrud, prestou queixa contra Claudia Faissol, na 14ª DP do Leblon. Ele alegou que Claudia havia tentado sequestrar João Gilberto, para levá-lo à força para Nova York, onde ele receberia um prêmio na Universidade de Columbia. João Marcelo disse, ainda, que Claudia teria invadido o apartamento pela janela, pois João Gilberto havia se recusado a abrir a porta.

 Mais adiante, em novembro de 2017, Bebel Gilberto ingressou com ação de interdição contra o pai. Inicialmente, a possibilidade de interdição havia sido cogitada pelos três filhos do cantor. Contudo, Bebel acabou dando prosseguimento ao feito sozinha, por conta de João Marcelo residir nos Estados Unidos e Luisa ainda ser menor de idade.

 A interdição limitaria os atos de João Gilberto em relação a vida civil, declarando-o incapaz, de maneira que não mais poderia assinar contratos ou movimentar seu próprio dinheiro. Quem ficou com sua curatela foi a filha do meio.

 Em abril de 2018, João Marcelo escreveu um texto em seu Facebook, dizendo que foi excluído das decisões tomadas acerca do pai, além de ter feito diversas acusações a Bebel Gilberto. Ele disse em um trecho “eu não fui informado, aconselhado, consultado ou nem sequer fiquei ciente das maquinações legais ou física que minha irmã tomou/está tomando em relação ao meu pai, tirando o que leio no noticiário”.

 No mesmo mês, João Gilberto sofreu uma ação de despejo que o fez sair do apartamento no Leblon. Ele se mudou para um apartamento emprestado por Caetano Velsoso e Paula Lavigne, na Gávea. Ele conseguiu voltar para os eu apartamento apenas em novembro daquele ano. A advogada de Bebel, Simone Kamenetz, deu entrevista ao jornal O Globo, e acusou Claudia Faissol como a principal responsável pela ruína financeira de João Gilberto.

 Pouco depois, em agosto, Claudia Faissol também dá entrevista ao O Globo, e dá a sua versão sobre a desavença. Ela havia sido acusada por João Marcelo e Bebel Gilberto de ter levado o músico a assinar contratos que lhe foram prejudiciais financeiramente.

 Em março de 2019, a 25ª Vara Cível do Rio de Janeiro penhorou R$79.692,20 das aplicações bancárias de João Gilberto. Isso por conta de um imóvel no Leblon, em que morava Maria do Céu, ex-namorada do cantor, do qual ele era fiador. Maria do Céu foi despejada em 2017, ficando a dívida para o músico.

 João Marcelo acusou a irmã, Bebel Gilberto, em abril de 2019, de roubar dinheiro do pai, bem como de não informar sobre as condições físicas e financeiras de João Gilberto. Marcelo havia, inclusive, ingressado com ação de pedido de alimentos em face do pai, para que este pagasse pensão alimentícia à neta, Sofia. Marcelo afirma que a medida foi orientada por seus advogados, sob o argumento de que seria uma forma de ter acesso a informações a respeito do músico.

 A rivalidade entre os irmãos não acabou bem para João Marcelo, que foi condenado em junho de 2019, pela 24ª Vara Cível, por ofender e caluniar Bebel Gilberto; Marcelo havia dado entrevista à revista Veja, durante a qual chamou a irmã de sociopata, e afirmou que o pai estava “nos seus últimos dias de vida” e não merecia passar por o que estava passando. Além disso, após a morte de João Gilberto, João Marcelo chegou a contestar a paternidade de Luisa, caçula do músico com Claudia Faissol. O primogênito chegou a dizer que a menina não havia em nenhum momento apresentando um teste genético comprovando ser filha do cantor. Claudia disse que iria processar João Marcelo, por danos morais.

 Ainda em junho de 2019, a curatela de João Gilberto permanecia com Bebel. Contudo, o advogado de João Marcelo, Gustavo Carvalho Miranda, conseguiu o direito de representar legalmente João Gilberto, mas um mês depois, ele faleceu.

 Com a morte de João Gilberto, os verdadeiros problemas e brigas pela herança imediatamente começaram. Imediatamente, pois no velório do músico já se davam as primeiras movimentações jurídicas acerca de seu legado. Maria do Céu ingressou com ação de inventário no mesmo dia do velório – assim como fez Bebel Gilberto. Ambas pugnaram pelo cargo de inventariante no feito.

 A disputa não para por aí. João Gilberto realizou um testamento, em 2003. Ali, determinou que seus bens fossem partilhados igualmente entre João Marcelo, Bebel e Maria do Céu. A caçula Luisa, hoje com 15 anos, ainda não era nascida. O documento, apesar de incluir Maria do Céu na partilha, traz a informação declarada pelo cantor: “o testador declara, por fim, que não tem companheira”.

 Materialmente, o testamento é válido: João reservou 50% da legítima, e determinou que a outra metade fosse dividida conforme explicado acima. Contudo, em 2017, Cláudia Faissol conseguiu a anulação do testamento, por conta da existência de um testamento mais novo, registrado em 2017.

 Entretanto, o segundo testamento gerou polêmicas. O advogado de João Marcelo não nega a existência de tal documento, contudo alega que há questionamentos quanto à veracidade da revogação, uma vez que João Gilberto fora interditado em novembro de 2017, e assinou a revogação em maio daquele ano.

 Além do inventário, Maria do Céu também ingressou com ação de reconhecimento de união estável post mortem, solicitando o cumprimento do testamento de 2003. Ela alega que viveu mais de 35 anos em união estável com o músico. Nos autos do inventário aberto por Bebel, Maria do Céu sequer foi mencionada.

 A advogada de Bebel esclarece que ela não enxerga Maria do Céu como companheira do pai. Afirma que namoraram em algum momento, mas que Maria não esteve com e nem cuidou de João ao final da vida dele. Ela ainda define o relacionamento como pingue-pongue e que, nesses “tempos”, o cantor teve outras namoradas, como Claudia Faissol, com quem teve Luisa, em 2004.

 Inclusive, o advogado de Claudia Faissol afirma que Luisa fora vítima de alienação parental. Ela nunca recebeu pensão alimentícia e ficou sem ver o pai por um ano. Quem recebe a culpa, novamente, é Maria do Céu.

 O advogado de Maria do Céu baseia sua tese no fato de o testamento reservar 50% dos bens aos filhos, de maneira que não poderia sem invalidado. A juíza do caso, contudo, disse entender não existir elementos suficientes para reconhecer a união estável. Ainda cabe recurso.

 Apesar de não existirem muitos bens a serem divididos (ao contrário, existem dívidas em torno de R$10 milhões), ainda não foi finalizado o processo contra a gravadora EMI, que pode render uma indenização de R$170 milhões. Contudo, mesmo se for concedida totalmente, a indenização não será inteira dividida entre os herdeiros. O acordo feito com o Banco Opportunity, em 2013, possuía uma cláusula de que eles receberiam 60% da indenização, quando e se ela saísse. Além disso, conforme já dito, o banco teria direito à parte substancial dos royalties das vendas de CD’s que seriam lançados, mas nunca foram. Com a morte do cantor, não se sabe qual será o futuro das gravações.

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