Você sabe o que é “poder familiar” e qual a sua importância?

Vitória El Murr

Venha saber mais sobre o poder familiar, importante instituto do direito de família e que se relaciona com a guarda de filhos.

O poder familiar está tutelado em nosso ordenamento jurídico nos artigos 1.630 a 1.638 do Código Civil, e consiste no poder exercido pelos pais em relação aos filhos, sendo este direito decorrente do vínculo jurídico da filiação[1]. Gera direitos e deveres entre pais e filhos, seja a prestação alimentar, afeto, educação, tutela, proteção aos bens e patrimônio, ou quaisquer deveres inerentes à condição de pais para conceder aos filhos a melhor criação dentro de suas possibilidades.

O “pátrio poder”, criado no direito romano antigo, tratava de direito absoluto e ilimitado quanto à autoridade paterna, o que consolidava a ideia de família da época, imensuravelmente diferente da ideia de família eudemonista que possuímos atualmente. Mas, foi esse conceito que deu base ao que chamamos hoje de “poder familiar” ou “autoridade parental”, conjugado de direitos e deveres dos pais para com os filhos menores ou não emancipados e seus bens e patrimônio, com o condão de proteção integral à criança e ao adolescente.

Conforme o artigo 1.630 do Código Civil, “Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”. Dessa forma, entende-se que a menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos, extinguindo-se nessa idade o poder familiar, ou anteriormente aos dezoito anos nos casos de emancipação, indicadas no parágrafo único, do artigo 5º, do Código Civil.

Ensina Cunha Gonçalves (apud Gonçalves, p. 367) que os filhos “adquirem direitos e bens, sem ser por via de sucessão dos pais. Há, pois, que defender e administrar esses direitos e bens; e para este fim, representa-los em juízo ou fora dele. Por isso, aos pais foi concedida ou atribuída uma função semipública, designada poder parental ou pátrio poder, que principia desde o nascimento do primeiro filho, e se traduz por uma série de direitos-deveres, isto é, direitos em face de terceiros e que são, em face dos filhos, deveres legais e morais”

O exercício do poder familiar é tratado no artigo 1.634 do Código Civil, recentemente alterada pela chamada Lei da Guarda Compartilhada (13.058/2014), trazendo as seguintes atribuições (rol exemplificativo):

Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:

I – dirigir-lhes a criação e a educação;

II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;

III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;

V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;

VI – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

IX – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

A atenção quanto ao último inciso deve ser grande: a exigência de obediência de filhos com pais necessita de limites, não pode ser desmedida, uma vez que, se ultrapassados os limites físicos ou psicológicos da criança e do adolescente, configura-se como maus tratos. Frisa-se que o excesso do exercício do poder familiar pode caracterizar-se em abuso de poder, o que enseja em responsabilidade civil (artigos 187 e 927 do Código Civil). Ainda, como necessária consequência pela atitude desmedida e descontrolada de manejo do poder, poderá ocorrer a suspensão ou até destituição da autoridade parental.

A legislação brasileira é clara sobre a limitação da autoridade parental: Em 2014, um caso que chocou o país deu ensejo a uma lei muito importante, a chamada “Lei da Palmada” ou “Lei do Menino Bernardo” (13.010/2014).

Para quem não se lembra, Bernardo Boldrini foi assassinado em abril de 2014, quando tinha 11 anos de idade. De forma cruel, uma mistura de sedativos aplicada culminou em overdose por superdosagem do medicamento Midazolam. Em decorrência de sua morte, a legislação brasileira ganhou a lei que carrega seu nome.

Em função primordial, a Lei do Menino Bernardo assegura que crianças e adolescentes não sofram nenhuma forma de punição degradante, humilhante, e que implique em correção por castigo físico ou psicológico, acarretando em sofrimento ou lesões.

Entre os artigos 1.635 a 1.638 da codificação material privada, encontram-se as hipóteses de extinção, perda e suspensão do poder familiar, respectivamente:

Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar:

I – pela morte dos pais ou do filho;

II – pela emancipação, nos termos do art. 5 o, parágrafo único;

III – pela maioridade;

IV – pela adoção;

V – por decisão judicial, na forma do artigo 1.638 .

Art 1.636. O pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro.

Parágrafo único. Igual preceito ao estabelecido neste artigo aplica-se ao pai ou à mãe solteiros que casarem ou estabelecerem união estável.

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar à medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.

Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I – castigar imoderadamente o filho;

II – deixar o filho em abandono;

III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente;

V – entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção.

Parágrafo único. Perderá também por ato judicial o poder familiar aquele que:

I – praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar:

a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher;

b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão;

II – praticar contra filho, filha ou outro descendente:

a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher;

b) estupro, estupro de vulnerável ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão.

Extrai-se dos supramencionados artigos que a extinção do poder familiar é aplicada a situações em que há interrupção definitiva do poder familiar, como, por exemplo, pela morte de um dos pais ou do filho, ou emancipação. A extinção também pode ocorrer em caso de maioridade do filho, adoção da criança ou do adolescente ou ainda a perda em virtude de decisão judicial.

A perda ou destituição é a sanção mais severa pela ilimitada aplicação prática do poder familiar, e será determinada por meio de decisão judicial. Um ponto importante do artigo 1.638, é o inciso V, que aduz que “entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção”. Essa previsão foi incluída pela Lei nº 13.509/2017.

O STJ firmou a tese que “Para constatação da “adoção à brasileira”, em princípio, o estudo psicossocial da criança, do pai registral e da mãe biológica não se mostra imprescindível.

Contudo, como o reconhecimento de sua ocorrência (“adoção à brasileira”) foi fator preponderante para a destituição do poder familiar, à época em que a entrega de forma irregular do filho para fins de adoção não era hipótese legal de destituição do poder familiar, a realização da perícia se mostra imprescindível para aferição da presença de causa para a excepcional medida de destituição e para constatação de existência de uma situação de risco para a infante”. (STJ – REsp: 1674207 PR 2017/0120487-1, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 17/04/2018, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/04/2018)

Já a suspensão do poder familiar é uma cessação temporária do exercício do poder familiar por determinação judicial com motivo definido em lei. É medida provisória usada quando houver abuso da função dos pais que cause prejuízo e vai perdurar enquanto necessária e útil aos interesses do filho[2], como se extrai do artigo 1.637 do Código Civil supramencionado. Nos casos em que há possibilidade de recomposição dos laços de afetividade entre pais e filhos, a suspensão do poder familiar deve ser a primeira opção, e a perda, a última.

Outro ponto que merece destaque, estabelecido pelo artigo 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente, é que a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar.

Da mesma forma, a presença de deficiência, transtorno mental ou outras doenças dos pais ou responsáveis também não deve, por si só, impedir o convívio familiar ou provocar o acolhimento dos filhos em instituições.

Toda suspensão é provisória, não definitivas e devem durar enquanto persistirem os motivos que a ensejaram, guardando preliminarmente o interesse do menor. Essa medida pode ser revista e modificada sempre que cessarem os fatos que a provocaram.

Entende-se, portanto, que o poder familiar deve ser exercido de forma que seja dada pelos pais, além de toda a base necessária ao pleno desenvolvimento das crianças e adolescentes, a liberdade com responsabilidade; a consciência de seus direitos e deveres; o respeito ao próximo e aceitação de diferenças; a compreensão de receber um “não” acompanhado das devidas justificativas; a chance de desfrutar de programas de lazer sadios e adequados à cada idade; convivência com amigos, e outros aspectos tão essenciais ao crescimento saudável e amadurecimento, quanto o acesso à educação e alimentação.

Os pais são a bússola e o espelho dos filhos, e, dessa maneira, o equilíbrio no convívio familiar é essencial, sempre priorizando o melhor interesse das crianças e adolescentes. O poder de família deve ser exercido como forma de orientação aos filhos nas decisões da vida, respeitando sempre suas opiniões, suas características emocionais, seu jeito de ser e de ver o mundo.

Leia também nosso artigo sobre reconhecimento de paternidade em:

https://lem.adv.br/como-funciona-o-reconhecimento-de-paternidade/

Referências:

https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6447/Poder-Familiar-Conceito-caracteristica-conteudo-causas-de-extincaoesuspensao

http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80757-cnj-servico-entendaoqueesuspensao-extincaoeperda-do-poder-familiar

http://ibdfam.org.br/artigos/1024/Poder+familiar+na+atualidade+brasileira#:~:text=Os%20pais%20t%C3%AAm%20como%20sujeitos,%2C%20guarda%2C%20cria%C3%A7%C3%A3o%20e%20educa%C3%A7%C3%A3o.

https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-84/aspectos-fundamentais-acerca-do-poder-familiar/#:~:text=Os%20pais%20possuem%20in%C3%BAmeros%20encargos,de%20obriga%C3%A7%C3%B5es%20 (rol%20exemplificativo).&text=Faz%20parte%20do%20dever%20de,o%20consentimento%20para%20o%20casamento.

http://www.artigonal.com/carreira-artigos/poder-familiar-1176495.html

http://jus.uol.com.br/revista/texto/8371/do-poder-familiar

https://www.lfg.com.br/conteudos/artigos/geral/conheca-mais-sobrealei-do-menino-bernardo


[1] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 9ª ed. São Paulo: Método, 2019. p. 1253

[2] COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 263-264.

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