LEM Advogados logo branco
Você sabe como funciona a deserdação de filhos?

Vitória El Murr

É muito comum escutar os pais falando frases como “se você me desobedecer, vou te deserdar!” “vou te deserdar porque você não quer saber de nada!”. Mas, será que é mesmo possível deserdar filhos por qualquer motivo? Vamos descobrir nesse artigo como funciona a deserdação e outros institutos de exclusão sucessória.

O artigo 5º, inciso XXX, da Constituição Federal brasileira de 1988 assegura o Direito à herança. Trata-se, portanto, de direito fundamental, e assegura aos sucessores do falecido adquirirem e administrarem seus bens por transmissão causa mortis. O conceito presente nesse trecho da Constituição é consequência direta do direito de propriedade, descrito no inciso XXII deste mesmo artigo, e garante que, em caso de falecimento, os bens deixados pelo sujeito que veio a falecer sejam transmitidos aos seus respectivos herdeiros.

O artigo 1.784 do Código Civil estabelece que aberta a sucessão, os bens do morto serão transmitidos aos seus sucessores legítimos e testamentários. A atribuição sucessória pela vertente legítima, obedecerá a uma ordem prioritária de chamamento, correlata ao direito familiar. É a ordem de vocação hereditária prevista nos artigos 1.829 e seguintes do Código Civil, alinhando os descendentes, os ascendentes, o cônjuge ou companheiro sobrevivente e os colaterais até quarto grau do autor da herança. Há, ainda, os herdeiros facultativos, os quais serão escolhidos pelo de cujus e formalmente indicados pela via testamentária.

Essa enumeração de herdeiros necessários pode ser alterada com a concorrência do cônjuge ou do companheiro com os descendentes do morto, a depender do regime de bens adotado no casamento ou na união estável e da forma e data de aquisição dos bens que sejam objeto da sucessão. Pode dar-se a concorrência, também, entre o cônjuge ou o companheiro com os ascendentes do autor da herança, agora sem os pressupostos de regime de bens ou forma de sua aquisição.

Na esfera da sucessão testamentária, importante salientar os seguintes pontos: a disposição de vontade do testador prevalece diante da sucessão legítima, ou seja, primeiro atende-se ao testamento, e depois se aplicará a ordem da vocação hereditária; mas, esta preferência do testamento, não poderá de forma alguma invadir o direito dos herdeiros necessários, aos quais caberá a metade da herança, considerada indisponível e chamada de legítima, de acordo com os artigos 1.788 e 1.789 do CC.

Falamos anteriormente sobre os casos de recebimento de herança. Mas, e quanto aos casos de exclusão sucessória? Essa é possível? Se sim, de que forma?

Há 3 formas de o herdeiro não receber seu quinhão hereditário (fração, quota da herança), pelas chamadas renúncia, indignidade e deserdação.

A primeira a ser elucidada é a renúncia, que consiste em um direito pessoal exercido por ato voluntário do próprio herdeiro. Dessa forma, sequer é necessário expor os motivos do declínio ao recebimento do legado. Todavia, deverá ser realizada de forma expressa, sendo inadmitido o repúdio tácito ou a presunção, e sua forma será escrita, seja por instrumento público ou termo judicial, sob pena de nulidade absoluta.

Esse instituto pode ser encontrado nos artigos 1.804 a 1.813 da lei privada. Importantíssimo mencionar que o ato de renunciar não poderá ser feito apenas a um ou alguns bens do monte partível. Ao renunciar, o herdeiro estará dispondo de toda a sua fração do legado!

Assim que feita a renúncia, o ato retroagirá ao tempo da abertura do inventário, portanto, produzindo efeito ex tunc. Além do mais, o quinhão hereditário do renunciante, em sede de sucessão legítima, será transmitido de pleno direito aos outros herdeiros da mesma classe.

Outro efeito importante gerado pela renúncia é de que os descendentes do renunciante não herdam por representação na sucessão legítima. Se tratando de sucessão testamentária, a renúncia do herdeiro acarreta a caducidade da disposição que o beneficiou, exceto se o testador indicar, em sua cédula testamentária, substituto para o renunciante, como pontua o artigo 1.947 do CC. Por fim, cumpre elucidar que a renúncia é irrevogável, irretratável e definitiva, produzindo efeitos de forma imediata.

As regras básicas da sucessão hereditária não são aplicadas em determinadas situações, que a lei civil coloca como causas de exclusão contingente da herança. Decorrem de faltas graves do sucessor, cometidas contra a pessoa de quem haveria os bens ou contra certas pessoas próximas a ele por laços de conjugalidade ou parentesco.

A indignidade encontra-se entre os artigos 1.814 a 1.818, e consiste na prática de atos ofensivos ao titular dos bens, ou a pessoas de sua proximidade, decorrentes de disposição legal, devendo ser declarada por sentença.

O artigo 1.814 do Código vigente descreve, em três incisos, tipos infracionais graves que excluirão o herdeiro da sucessão, seja ele necessário ou legatário: 1) por homicídio consumado ou tentado contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; 2) acusar caluniosamente em processo judicial o autor da herança, ou praticar crime contra sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; 3) dificultar ou impedir, por meio violento, que o autor da herança disponha livremente de seus bens por testamento, ou ato que expresse sua vontade.

Os descendentes do herdeiro excluído sucederão em seu lugar como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão. O indigno será um autêntico “morto-vivo” no plano sucessório. Para a atribuição do que seria o seu quinhão, aplicar-se-á regra da representação sucessória (art. 1.851 do CC). Assim, o quinhão do herdeiro indigno passa aos seus descendentes, em sucessão por estirpe, salvo se, para estes, houver também alguma causa de indignidade.

A regra se extrai do artigo 1.816 do Código Civil, ao dizer que são pessoais os efeitos da exclusão por indignidade. Para acentuar esse posicionamento e sua consequência jurídica, o parágrafo único desse artigo determina que o excluído da sucessão não terá direito ao usufruto e à administração dos bens que a seus filhos couberem na herança. A mesma regra de restrição patrimonial consta do artigo 1.693, inciso IV, do Código Civil, com relação aos bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão.

O prazo para demandar a exclusão da herança por indignidade é decadencial, de quatro anos, contados da abertura da sucessão (art. 1.815, parágrafo único, do CC). No mais, o Código Civil estabelece no artigo 1.818, a possibilidade de reabilitação do indigno. Trata-se do perdão, que deverá ocorrer de forma expressa, em testamento ou em outro ato autêntico.

Como última causa de exclusão sucessória, traz-se a deserdação, tratada nos artigos 1.691 a 1.695 da Lei Civil, e consiste na perda da herança, por ato de vontade do titular dos bens, manifestada em testamento. Apenas os herdeiros necessários (filhos, pais e cônjuges – artigo 1.845 CC) podem sofrer a deserdação.

Dessa forma, quando o autor da herança deseja afastar seus herdeiros necessários da sucessão, o faz através do instituto da deserdação. Nesse sentido assinala Maria Helena Diniz, “a deserdação constitui exceção à regra geral que assegura ao herdeiro necessário a reserva legitimaria, que corresponde à metade da herança do “de cujus”, uma vez que da outra metade pode o testador dispor como bem lhe aprouver” (DINIZ, 2010 p. 200).

As hipóteses de deserdação são as mesmas tratadas na exclusão por indignidade, adicionadas das hipóteses trazidas pelos artigos 1.962 e 1.963. O artigo 1.962 prevê, além das hipóteses descritas no artigo 1.814, a possibilidade de deserdação dos filhos que tenham praticado contra os genitores: 1) ofensa física; 2) injúria grave; 3) relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto; e 4) desamparo aos genitores com alienação mental ou doenças graves.

Silvio de Salvo Venosa, em seu Código Civil comentado, faz uma observação sobre o inciso IV do artigo 1962:

O último inciso do presente artigo reporta-se desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade. Tais atos demonstram o desprezo pelo ascendente, o desamor, a falta de carinho. Se porem o ascendente estiver em estado de alienação mental, não poderá validamente testar a questão reporta a requisição da capacidade mental. (2011, p. 208)

Para efetivação da deserdação ou mesmo da indignidade, será necessário promover ação própria de natureza declaratória – constitutiva negativa, para provar a veracidade da causa alegada pelo testador. Sem a sentença da referida ação não será possível à exclusão da herança dos herdeiros e legatários por indignidade, nem os deserdados. A previsão se contém no artigo 1.815 do Código Civil, a exigir declaração por sentença, desde que haja provocação do interessado, que será aquele sucessor a quem beneficie a ordem de exclusão da herança (legítimo interesse, regra geral do art. 17 do CPC).

A lei também prevê causas de deserdação dos pais pelos filhos. Conforme artigo 1.963, os pais poderão ser deserdados se: 1) ofenderem os filhos fisicamente; 2) praticarem injúria grave contra a prole; 3) mantiverem relações ilícitas com cônjuges ou companheiros dos filhos ou netos; 4) desampararem filhos ou netos com alienação mental ou doenças graves.

Assim como sucede com relação ao herdeiro indigno, também o deserdado perde o direito de herança. Essa exclusão é de caráter eminentemente pessoal, não se estende aos seus descendentes.

Quanto à ação de deserdação, depende de dois pressupostos básicos: a expressa declaração de causa no testamento (art. 1.964 do CC); a propositura de ação pelo herdeiro instituído, ou por aquele a quem aproveite a exclusão da herança, com prova da veracidade da causa alegada pelo testador (art. 1.965 do CC). O prazo, nessa hipótese, é também decadencial e de quatro anos. Conta-se da data da abertura do testamento (art. 1.965, parágrafo único).

Confira nosso artigo “sobre “meu irmão é meu herdeiro?”:

https://lem.adv.br/meu-irmao-e-meu-herdeiro/        

Referências:

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. vol. 06. 24ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.

VENOSA, Silvio de Salvo. Código Civil Interpretado. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2011.

https://jus.com.br/artigos/70536/excludentes-da-sucessao-renuncia-indignidadeedeserdacao

http://www.tjsp.jus.br/download/EPM/Publicacoes/ObrasJuridicas/cc48.pdf?d=636808166395003082

More
articles

× Como podemos te ajudar?