Muito se fala sobre o abandono afetivo dos pais para com seus filhos, mas e quando os pais se tornam idosos, é possível uma inversão de papeis?
A resposta é sim. Assim como os pais possuem responsabilidades perante seus filhos (quando estes são menores de idade ou incapazes), os filhos também possuem deveres ante seus pais idosos.
O abandono afetivo de pessoa idosa (também chamado de “abandono afetivo inverso”) é caracterizado pela falta de cuidado dos filhos em relação aos pais, quando estes atingem a velhice.
Esse tipo de abandono configura uma violação aos deveres dos filhos para com os pais. Além do dever de convivência, também existe o dever de assistir (em todos os sentidos: ajudar, amparar, confortar, observar, acompanhar, auxiliar etc.) os pais idosos.
Nesse sentido, a Lei Federal nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), em seu artigo 3º, nos traz que:
Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Ao mencionar a comunidade, a sociedade e o Poder Público, o legislador se refere à efetivação e respeito dos direitos do idoso. Ou seja, é competência do Poder Público prover os meios necessários para que a saúde, a educação, o lazer etc., estejam garantidos. De outro lado, a comunidade e a sociedade têm papel fundamental no respeito e asseguramento de que o Poder Público esteja cumprindo com a sua parte.
Já quando se fala da obrigação da família, o assunto se aprofunda. Abandonar os pais idosos é desrespeito direto ao princípio da solidariedade familiar, que prevê a assistência mútua entre todos os membros da família, conforme art. 229, da Constituição Federal (“Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”) e arts. 3º e 4º do Estatuto do Idoso. Aqui, está incluída, inclusive, a solidariedade afetiva.
No Recurso Especial nº 1159242 SP 2009/0193701-9, de 2012, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, foi fixada a máxima de “amar é faculdade, cuidar é dever”. Ou seja, ainda que seja impossível obrigar um a amar o outro, é possível que o dever de cuidado seja definido como uma obrigação de mão dupla, em que, primeiramente, os pais cuidam dos filhos e, no futuro, este cenário se inverta.
Dessa forma, assim como os pais que cometerem abandono afetivo de seus filhos podem ser civilmente responsabilizados, os filhos que abandonarem seus pais idosos também, ou seja, é possível que haja uma condenação indenizatória pelos danos causados aos genitores.
É possível, também, que os filhos sejam obrigados a prover alimentos aos pais na velhice. E aqui, é importante permear que a pensão alimentícia não se restringe apenas aos alimentos (no sentido estrito da palavra). A obrigação abrange, também, todos os cuidados mínimos para que o idoso tenha uma subsistência digna, incluindo: saúde (despesas médicas de maneira geral), higiene, vestuário, lazer, alimentação, transporte, moradia (água, luz, gás) etc.
Frisa-se, ainda, a complexidade na avaliação das situações em que os pais alegam abandono afetivo inverso e, de outro lado, os filhos rebatem a argumentação, dizendo que o abandono se deu, primeiramente, dos pais para com eles, quando na infância.
Dessa forma, é preciso que seja feita uma análise, caso a caso, para entender o cenário concreto e, então, avaliar as possibilidades de indenizações e fixação de obrigações.
Ou seja, a máxima jurídica aqui se faz mais uma vez verdadeira: depende. Sendo assim, é de suma importância consultar um profissional especializado na área, para que seja feita uma análise profunda do caso, de maneira que seja traçada a estratégia jurídica mais adequada, para minimizar todo e qualquer sofrimento familiar – seja ele dos pais com os filhos, ou no cenário inverso.